
- Anda Filipe! Despacha-te e ajuda-me com as compras.
- Vou já mãe…Depois posso ir até a casa do Nuno?
- Vais lá fazer o que? Não sabes que ele está a passar um momento difícil com tudo o que aconteceu? Vá, abre a porta do elevador!
Após muito choro falso e até promessas de que a mesa seria posta pelo petiz à hora do jantar, a mãe lá foi convencida em deixa-lo ir um pouco até a casa do amigo Nuno que tinha acabado a adolescência quando viu nascer o rapazote.
Filipe tocou a porta, esperou, esperou, esperou e nada. Nenhum som transpunha aquele pedaço de madeira, sempre grande demais à vista dos pequenos. Ao fim de algum tempo desistiu e quando já ia a correr para sua casa (que ficava no mesmo andar) a porta abriu-se e numa voz de gozo ouviu-se:
-Onde é que ias pirralho?
Era delicioso vê-los aos dois juntos. Uma cumplicidade sincera e inocente reinava no brilho do olhar de ambos. O que se passava a seguir já era rotina e de conhecimento geral. Filipe saltava para as costas de Nuno numa luta de cócegas, mordidelas e empurrões ligeiros. Depois, ou porque se soltava ou porque Nuno o deixava ir, Filipe corria até ao quarto e ia buscar o violino. Juntos sentavam-se no sofá vermelho e com jeitos de tutor e pupilo tudo se tornava sério e davam inicio a aula.
- Quando for grande vou querer tocar numa orquestra como tu.
- Conversa fiada…pensas que não sei como és? Até lá já mudaste de ideias, como daquela vez em que querias ser patinador de gelo mas desististe assim que deste o primeiro malho.
Riram-se ambos. Filipe ia reiniciar a pequena peça que andava a ensaiar quando, num impulso de criança, parou e olhou para a fotografia emoldurada que estava em cima da televisão. Era Inês e Francisco, irmão mais velho de Nuno.
- Tens saudades dele?
- Tenho saudades de muita coisa…
- Nuno… - disse o rapaz com um ar subitamente sério.
- Diz. – Respondeu-lhe Nuno pegando na fotografia e voltado a sentar-se no sofá.
- Para onde vão as pessoas quando morrem? A minha mãe diz que vão para um sítio bonito. O que é um sitio bonito?
- É um sítio que nos agrada e onde nos sentimos bem. Onde é que tu te sentes bem? – perguntou-lhe enquanto, numa passagem, rápida lhe acariciava os caracóis castanhos.
-Eu gosto das salas de concerto, como aquela onde tu tocas todas as noites.
Nuno riu-se para dentro e com uma voz paterna e sofrida disse: - Aí tens, podes pensar que as pessoas quando morrem vão para uma sala de concertos lindíssima, onde no palco tocam músicas mágicas.
Filipe olhou o seu amigo, agora com um ar muito mais tranquilo, e antes de recomeçar a lição disse entre um suspiro:
- Só espero que o Francisco esteja a gostar da música...
1 comentário:
um classico "à lá toi"!! ;)
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