quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Ditos de Outros I



Deus inventou o sexo, nós inventámos o amor.
Ele tinha razão.

Vergílio Ferreira




segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Dança

Banda Sonora






Quando eu dançava era mais leve. Quando eu dançava era mais livre e era mais eu. Tornava-se tão simples o toque da mão no ar. Simples, firme e sedutor. Todas as danças eram danças de sedução. Demonstrações da exactidão do amor entre os seres sobre a forma de ritmo suado. Músculos contraídos sem dor, sem lágrimas. Só dança.

Pausa.

E no entanto, no dia em que me pediram para falar dela a voz fugiu-me e fez pesar os meus pés e os meus braços e a minha alma partiu. Nesse dia despedi-me da dança sem saber e hoje choro a minha despedida. Sinto falta da sua expressão em mim como quem perde a sua essência com o andar da vida.


Hoje sou menos comunicativa porque não danço. Deixei de gritar com o corpo. Acabaram-se os espasmos de vida. E hoje apercebo-me disso. No entanto, continuo a dançar em pensamento com quem ainda dança com o corpo. Isso faz-me sorrir.

Pausa.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

A máquina de aumentar os pensamentos


O senhor C. media um metro e sessenta e antes de dispor desta máquina tinha a sensação de que os seus pensamentos eram ainda mais pequenos que a sua altura - embora uma e outra unidade nenhuma relação tivessem.
Claro que o senho C. não era tão imbecil que pensasse que os pensamentos eram matéria normal, com volume, altura, lateralidade e gordura. No entando, o senhor C., não era tão perspicaz que pensasse que aumentar os pensamentos, longe de se assemelhar a algo como aumentar o tom de voz, era sim algo medível pelos seus efeitos - um pensamento maior era um pensamento que influenciava mais pessoas. Não era assim, infelizmente, que o senhor C. avaliava o aumento dos pensamentos. Os seus critérios eram outros.

Foi então que, de repente, surgiu Lady Maria. E o senhor C. rejubilou.
Lady Maria tinha um corpo lindo, um rosto lindo, uma idade linda e um estado civil lindo: solteira.
Sem Lady Maria se aperceber o senhor C. pôs subtilmente a mão no bolso e ligou a máquina de aumentar os pensamentos. Mal Lady Maria o cumprimentou, com um sorriso perfeito e sedutor, C. começou o seu discurso, um discurso arrebatado e convincente, nunca antes ouvido.
A máquina de aumentar os pensamentos funcionava. E Lady Maria parecia fascinada.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Quando não me apetece escrever, canto...



Esta é para ti.
Podias ser tu a toca-lo, mesmo que de longe, para mim, pela primeira vez, outra vez.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

E Ela disse, E Ele disse (parte 1)



E Ela disse:

Se queres que te diga nem sei bem porque é que não sais. Vai dar uma volta! Enfim, tu é que sabes se te apetece mais ficar em casa ou não.

E Ele disse:

Oh...simplesmente sabe bem não ir para a rua ao frio. Para além disso estou sem vontade de andar no meio do alcoolismo carnavalesco.

E Ela disse:

Eu dava tudo para andar no meio do alcoolismo. Se fosse o meu seria ainda melhor. Estou triste. Sozinha e louca.

E Ele disse:

Louca ainda que vá, mas sozinha? Isso não! Olha que fico zangado contigo.

E Ela disse:

Louco que é louco anda sempre sozinho com a sua loucura. Mas descansa tu és e serás sempre a minha chapada na cara. Aquela que me devolve os sentidos. (Porra, devia escrever um livro!)

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

A Casa


- Anda Filipe! Despacha-te e ajuda-me com as compras.

- Vou já mãe…Depois posso ir até a casa do Nuno?

- Vais lá fazer o que? Não sabes que ele está a passar um momento difícil com tudo o que aconteceu? Vá, abre a porta do elevador!

Após muito choro falso e até promessas de que a mesa seria posta pelo petiz à hora do jantar, a mãe lá foi convencida em deixa-lo ir um pouco até a casa do amigo Nuno que tinha acabado a adolescência quando viu nascer o rapazote.


Filipe tocou a porta, esperou, esperou, esperou e nada. Nenhum som transpunha aquele pedaço de madeira, sempre grande demais à vista dos pequenos. Ao fim de algum tempo desistiu e quando já ia a correr para sua casa (que ficava no mesmo andar) a porta abriu-se e numa voz de gozo ouviu-se:

-Onde é que ias pirralho?

Era delicioso vê-los aos dois juntos. Uma cumplicidade sincera e inocente reinava no brilho do olhar de ambos. O que se passava a seguir já era rotina e de conhecimento geral. Filipe saltava para as costas de Nuno numa luta de cócegas, mordidelas e empurrões ligeiros. Depois, ou porque se soltava ou porque Nuno o deixava ir, Filipe corria até ao quarto e ia buscar o violino. Juntos sentavam-se no sofá vermelho e com jeitos de tutor e pupilo tudo se tornava sério e davam inicio a aula.

- Quando for grande vou querer tocar numa orquestra como tu.

- Conversa fiada…pensas que não sei como és? Até lá já mudaste de ideias, como daquela vez em que querias ser patinador de gelo mas desististe assim que deste o primeiro malho.


Riram-se ambos. Filipe ia reiniciar a pequena peça que andava a ensaiar quando, num impulso de criança, parou e olhou para a fotografia emoldurada que estava em cima da televisão. Era Inês e Francisco, irmão mais velho de Nuno.

- Tens saudades dele?

- Tenho saudades de muita coisa…

- Nuno… - disse o rapaz com um ar subitamente sério.

- Diz. – Respondeu-lhe Nuno pegando na fotografia e voltado a sentar-se no sofá.

- Para onde vão as pessoas quando morrem? A minha mãe diz que vão para um sítio bonito. O que é um sitio bonito?

- É um sítio que nos agrada e onde nos sentimos bem. Onde é que tu te sentes bem? – perguntou-lhe enquanto, numa passagem, rápida lhe acariciava os caracóis castanhos.

-Eu gosto das salas de concerto, como aquela onde tu tocas todas as noites.

Nuno riu-se para dentro e com uma voz paterna e sofrida disse: - Aí tens, podes pensar que as pessoas quando morrem vão para uma sala de concertos lindíssima, onde no palco tocam músicas mágicas.

Filipe olhou o seu amigo, agora com um ar muito mais tranquilo, e antes de recomeçar a lição disse entre um suspiro:

- Só espero que o Francisco esteja a gostar da música...